Maldalena Carmen Frida Kahlo
Maldalena Carmen Frida Kahlo retrata a trajetória de um dos maiores ícones das artes plásticas do México e do mundo. Com sua singular biografia e uma produção artística riquíssima, Frida expressava, em grande parte de suas pinturas, a dor e a mutilação, presentes, diariamente, em sua rotina de vida:
ESPINHA BÍFIDA
O primeiro problema neurológico apresentado por Frida Kahlo, espinha bífida, iniciou-se antes mesmo de seu nascimento. Espinha bífida significa espinha cindida ou dividida. Esta divisão se dá nas primeiras semanas de gravidez, quando a medula espinhal, então em formação, não se fecha corretamente. Dependendo da gravidade da fusão, a espinha bífida pode ser assintomática ou associada a diferentes manifestações esqueléticas, urogenitais e neurológicas, incluindo deformações e desordens tróficas das extremidades, paresia e outras. A maioria dos estudos bibliográficos ignoram tal patologia ou a citam de forma rápida, sem especificidade. Entretanto, sabe-se que a maior parte dos problemas ortopédicos apresentados pela pintora, têm relação direta com tal anormalidade do tubo neural. Apesar de não existirem documentos médicos especificando o defeito congênito, uma pintura intitulada: “O que eu vejo na água”, aponta tal anomalia. O elemento dominante da pintura é a presença dos pés aderidos na banheira. A presença de deformidades no hálux e segundo dedo no pé direito, é um defeito típico associado ao disrafismo congênito, incluindo a espinha bífida:
” O que eu vejo na água”, 1938
Outro fato que marcou sua infância foi ter contraído poliomielite aos seis anos de idade. A doença a deixou como marcas a musculatura atrofiada e o membro inferior direito mais curto. Para encobrir a deficiência, Frida passou a usar saias longas como as das indígenas mexicanas. Já famosa, as intelectuais de sua época e as mulheres de um modo geral acharam que ela estava lançando moda e começaram a também usar aquelas saias longas.
TRAUMAS DA COLUNA VERTEBRAL E A “ÁRVORE DA ESPERANÇA”
Em 17 de setembro de 1925, na Cidade do México, um bonde bateu em um ônibus. O acidente seria esquecido se dentro do segundo veículo não estivesse a jovem Magdalena Carmen Frida Kahlo. A colisão moldou a existência da mais valorizada pintora latino-americana. Aos 18 anos, ela teve a coluna comprometida em três regiões, a perna dilacerada, o pé esmagado e a cintura pélvica fraturada. Uma barra de ferro ainda atravessou seu abdome. O sofrimento foi representado em sua arte com traços mórbidos:
Árvore da Esperança, Mantém-te Firme (1946).Frida Kahlo (1907-1954).Óleo. 56 x 40.5 cm. Galeria de Artes Isadora Ducasse (Nova York)
Sobre A Árvore da Esperança, Frida escreveu em seu diário: “Estou quase terminando o quadro que nada mais é que o resultado da tal operação. Estou sentada à beira de um precipício – com o colete em uma das mãos. Atrás estou deitada numa maca de hospital – com o rosto voltado para a paisagem – um tanto das costas está descoberto, onde se vê a cicatriz das facadas que me deram os cirurgiões filhos de sua recém-casada mamãe.”
Segundo ela, um verdadeiro milagre a permitiu sobreviver: porém, lhe deixou graves seqüelas físicas. Devido a fratura de pelve, Frida foi informada de que não poderia ter filhos de parto normal, e era recomendável portanto que evitasse engravidar. O mesmo acidente destruiu seu sonho de ser médica. Em 1929 ela sofreu o primeiro aborto; em 1932, o segundo e último. Seu grande desejo era ter filhos, e a impossibilidade de concretizá-lo naturalmente deixou-a extremamente traumatizada.Felizmente, mais adiante, conseguiu voltar a caminhar. A artista foi submetida a mais de trinta operações e, mesmo assim, nunca deixou de pintar.
A COLUNA PARTIDA
Em 1944, Frida pintou o auto-retrato intitulado A Coluna Partida. A obra expressa o sofrimento da artista, pois sua saúde piorara a ponto de ter de usar um colete de aço. Uma coluna artificial, partida em vários lugares, toma o lugar de sua coluna fraturada. As rachaduras em seu corpo e os pregos espalhados pela superfície corporal são símbolos da dor e solidão:
“A coluna partida”, 1944.
A DOR DE UMA MÃE QUE PERDEU O FILHO
Em 1932, Frida pintou o quadro O Hospital Henry Ford, também conhecido como A Cama Voadora.O quadro mostra a pintora deitada no leito do hospital, localizado em Detroit, EUA. Flutuando sobre o leito, pode ser visto um feto do sexo masculino, um caramujo e um modelo anatômico de abdome e de pelve. No chão, abaixo do leito, são vistos uma pelve óssea, uma flor e um autoclave. Todas as seis figuras estão presas à mão esquerda de Frida por meio de artérias, de modo a lembrar os vasos de um cordão umbilical. O lençol sob Frida está bastante ensangüentado. Seu corpo é demasiadamente pequeno em relação ao tamanho do leito hospitalar, de modo a sugerir seu sofrimento e sua grande solidão:
Cama Voadora (1932).Frida Kahlo (1907-1954).Óleo sobre metal 77,5 x 96,5.Coleção Fundaçao Dolores Olmedo (México)
Do olho esquerdo de Frida goteja uma enorme lágrima, simbolizando a dor de uma mãe pela perda do filho; a pelve óssea é um testemunho da causa anatômica da impossibilidade de ser mãe.
O CARINHO POR SEU MÉDICO NO PERÍODO MARCADO POR INÚMERAS CIRÚRGIAS (1950-1951)
“Estive doente durante um ano: 1950-1951. Sete operações na coluna. O Dr. Farill salvou-me. Restituiu-me a alegria de viver. Ainda estou numa cadeira de rodas e não sei quando poderei voltar a andar de novo.Tenho um colete de gesso que, em vez de ser horrivelmente maçador, me ajuda a suportar melhor a coluna. Não sinto dores, só um grande cansaço… e, como é natural, por vezes desespero. Um desespero indescritível. No entanto quero viver. Já comecei o pequeno quadro que vou dar ao Dr. Farill e que estou fazendo com todo meu carinho por ele”.
“Auto-Retrato com o Dr. Juan Farril”, 1951
Nessa pintura, Frida Kahlo aparece numa cadeira de rodas, em frente a um retrato do seu médico, num cavalete. Uma espécie de oferenda ao médico que salvou a artista do seu sofrimento e aparece no lugar de santo. A paciente pinta a tela com seu próprio sangue e utiliza o coração como pincel.
EPISÓDIO DA AMPUTAÇÃO
Em 27 de julho de 1953, Frida tem a perna direita amputada até a altura do joelho. Em seu diário, encontra-se o desenho da perna amputada como uma coluna rodeada de espinhos.
Amputaram-me a perna há 6 meses, deram-me séculos de tortura e há momentos em que quase perco a razão. Continuo a querer me matar. O Diego é que me impede de o fazer, pois a minha vaidade faz-me pensar que sentiria a minha falta. Ele disse-me isso e eu acreditei. Mas nunca sofri tanto em toda a minha vida.Vou esperar mais um pouco…
Após atentar diversas vezes contra a própria vida, Frida Kahlo, que havia contraído uma grave pneumonia, foi encontrada morta no dia 13 de julho de 1954. Embolia pulmonar é a causa registrada em seu atestado de óbito, no entanto, a última anotação em seu diário permite aventar-se a hipótese de suicídio:
Espero alegre a saída e espero nunca voltar.
Apesar do explícito sofrimento em sua obra, Frida nunca pintou com o interesse de se lastimar; pelo contrário, as imagens cruentas que vemos em muitos de seus quadros – colunas partidas, abortos,sangue, mortes – manifestam uma espécie de provocação, de atitude desafiante frente ao mundo, porque ela era assim. Fosse para buscar a si mesma ou para expressar toda sua sensibilidade, Frida retratou-se no conjunto de sua obra. Poucos artistas se revelaram tanto. Poucos tiveram – como ela teve – na arte o seu maior conforto.
Nayara Borges Andrade